domingo, 26 de maio de 2013

Bugs Bunny e o pneu

Como já disse anteriormente, muitas das nossas referências eram televisivas. E o Bugs Bunny não era excepção. Este coelho hilariante servia de inspiração a uma das nossas brincadeiras mais estranhas. Para esta brincadeira, inspirávamo-nos numa espécie de competição que o coelho fazia com um urso do circo. Havia um episódio em que o Bugs Bunny ia trabalhar num circo e entrava em conflito com Bruno, o urso acrobata. Então, eles competiam de mil maneiras. Uma delas era ver qual deles saltava mais alto e para a superfície menos segura. Assim, subiam uma plataforma com uma alavanca e cada um ia cada vez mais alto que o outro. E exibiam-se, do género: "Ai é? Então eu mergulho de 500 metros para cima de uma esponja!". Era dessa competição que nós partíamos.


Aqui está a versão original da cena. Espero que gostem!


Ora, para esta brincadeira, nós precisávamos de duas coisas: um pneu e uma espécie de ladeira. A ladeira da minha escola era muito pequena, mas para nós parecia enorme! O que nós fazíamos era pegar no pneu, pô-lo de pé e prepará-lo para rodar encosta abaixo. Mas antes de o lançar, dizíamos uma coisa como as que Bugs e Bruno diziam. Quando ficávamos sem superfícies para aterrar, inventávamos! Chegámos a dizer que saltávamos de X metros para um cacho de uvas ou para uma casa sem telhado! Além disso, como éramos ainda alunos sem muito conhecimento matemático, não conhecíamos muitos números grandes. Sabíamos até 10000 ou 100000 e pouco mais. Resultado: era possível um jogador dizer: "Eu salto de 12500 metros para um trampolim!" e outro dizer de seguida: "Eu salto de 6000 metros para uma piscina!"! Como se isso fosse um feito maior! É, a nossa noção de escala não se aplicava muito a este jogo. Enfim...quando acabávamos de dizer de onde saltávamos, empurrávamos o pneu ladeira abaixo. Supostamente, o pneu a descer a ladeira representava o nosso salto para a água. Mas o que é uma coisa tem a ver com a outra? Simples: as crianças e o Teatro do Absurdo! ;)

A roda do porco-leopardo

Numa das várias caixas de areia do infantário, por vezes, três ou quatro crianças juntavam-se para andar à roda e cantar uma adaptação de uma das várias canções clássicas da nossa infância. Um pouco de contexto: várias crianças nascidas nos primeiros anos dos anos 90 têm uma memória em comum: as Cantigas da Arca de Noé. Quem se lembra disto deve vir a perceber melhor a brincadeira, mas para quem não conhece...as Cantigas da Arca de Noé eram um conjunto de cantigas baseadas num animal. Havia o Tango do Orangotango, o Morcego Taciturno, O Polvo de Tinta Permanente, O Canguru Pugilista...tudo dentro dessa lógica divertida. Hoje é um tanto difícil encontrar informações sobre este fenómeno. Mas eram uma memória comum a muitas crianças na altura. Quando todos pensávamos que éramos completamente diferentes, era possível que alguém começasse a cantar uma das Cantigas da Arca de Noé e os outros a acompanhassem!


Umas das poucas cantigas da Arca de Noé disponíveis na Internet.
Humorada e elaborada! A nossa não era esta, mas...


Adiante...esta brincadeira apoiava-se numa dessas cantigas. A cantiga tinha um refrão cuja letra era, salvo erro, "Que ninguém chame / Leopoldo ao leopardo / Vamos chamar Leonardo". Engraçado, não é? Pois bem, nós, crianças que éramos, percebíamos mal a letra! Não percebíamos a palavra "Leopoldo" e, vejam bem, pensávamos que a música pedia para não chamarmos ao porco "leopardo"! E era isso que nós cantávamos! Dávamos as mãos, rodávamos e cantávamos: "Que ninguém chame ao porco leopardo!". E não é tudo! Para a brincadeira ficar mais divertida, nós chegávamos à palavra "chame" e recuávamos, puxando os braços uns dos outros com toda a força! Para quê? Para cairmos redondos no chão! E caíamos e ríamos! É verdade; não era uma simples roda com cantiga; era também um jogo de vertigem, como dizia Roger Caillois. E podíamos ficar naquilo durante uma meia hora! Sim, era mais uma das brincadeiras que repetíamos vezes sem conta sem nos aborrecermos! Já se sabe como as crianças gostam da repetição. E assim ficávamos: a fazer a roda, cantado (mal) e puxando os braços uns dos outros para darmos um trambolhão!

A claque do Game Boy

É evidente que, apesar das nossas brincadeiras criativas, um game boy era como um pedaço de carne morta que chamava as hienas todas. E, tal como na vida selvagem, nós atropelávamo-nos uns aos outros para ver quem tirava mais carne! Ou seja...para ver quem conseguia o melhor lugar para ver o "chefe" que tinha em seu poder um Game Boy! Em especial quando era o clássico jogo Pokemon. É verdade que ainda éramos novos demais para perceber o quanto Pokemon podia ser um grande jogo de estratégia que nos desafiava a engendrar esquemas bem pensados para ganhar, mas isso não nos impedia de querer ver o jogo de algum sortudo que tivesse o Pokemon. E era assim: enquanto um jogava, aos outros restava-lhes ver. Além de apoiar e dar sugestões, claro. Éramos como uma claque!


Esta era a flor e nós éramos as abelhas.
Não adoram metáforas?


Aliás...na verdade, não era assim tão simples. Digamos que havia uma certa dinâmica. Quando um rapaz (sim, eram principalmente rapazes) jogava Pokemon, havia praticamente três partes. Primeira: o rapaz que jogava. Segunda: os elementos da "claque" que viam, apoiavam e tinham permissão para jogar um pouco. Terceira: os que viam, apoiavam e NÃO tinham permissão para jogar. É verdade: nos tempos da escola primária já havia esta espécie de classes sociais, ghettos ou como lhe quiserem chamar. Havia um certo número de pessoas que podia jogar e, regra geral, era o dono do Game Boy que decidia quem se podia dar ao luxo de jogar aquele jogo tão fixe. E quem costumava jogar eram os melhores amigos do dono do Game Boy (olha que surpresa!). E estes, por coincidência ou não, eram na sua maioria os rapazes mais rebeldes e mais possessivos do recreio. Modéstia à parte, pessoas calmas e que não diziam asneiras como eu não tinham hipótese. E, de facto, não cheguei a jogar no Game Boy de outra pessoa.

Mas já estou a dispersar...enfim, havia algumas situações curiosas protagonizadas pela claque do Game Boy. A principal era quando se estabelecia o objectivo de capturar um pokemon difícil de capturar. Aí, era frequente o game boy passar por mãos diferentes. É que mesmo os donos do Game Boy achavam uma estopada andar a tentar apanhar um pokemon 10, 20, 30 vezes! E havia sempre a esperança de a técnica de um ser mais eficaz que a do outro. Só que as técnicas de cada um eram uma risota! E grande parte delas era uma imitação mais exagerada da técnica anterior. Quem visse de fora poderia pensar que estávamos malucos: na tentativa de capturar um pokemon difícil de capturar, nós quase batíamos no game boy! Alguns metiam-no debaixo do joelho (para o pokemon ficar preso, presumivelmente); outros, encostavam o Game Boy à cabeça com toda a força; outros ainda o encostavam à cabeça com força e corriam pelo recreio de olhos fechados (sim, corriam com os olhos fechados!). E éramos capazes de ficar naquilo durante uma meia hora! E isto quando era um pokemon normal. Depois havia o misterioso Missingno...


Ah, o doce mistério do Missingno...


Para quem não conhece, "o" Missingno é um famoso mistério dos primeiros jogos Pokemon. Se digo mistério, é porque aquela coisa aparece geralmente com uma imagem desfocada e faz coisas muito estranhas ao Game Boy e à mochila do protagonista do jogo. Há muitas teorias, mais ou menos oficiais, sobre quem ou o quê era o Missingno. De qualquer maneira, o mistério parecia aliciar as crianças, pois muitos portadores de Game Boys queriam apanhar o famoso Missingno! E isto torna-se ainda mais estranho se nos lembrarmos que havia uma lenda da escola que dizia que era muito perigoso apanhar o Missingno! Dizia-se que era um vírus horrível e que quem o apanhasse ficava sem jogo, porque o vírus apagava tudo! Porque quereriam, então, apanhar o Missingno? É que ele nem sequer era uma particular fonte de poder! Mas enfim...eu só assistia, não era minha escolha tentar apanhar aquela coisa...


Curiosos em relação ao Missingno? Têm aqui um
tratado completo feito por um grande fã de Pokémon!


O Missingno fazia coisas muito estranhas, não há dúvida. Lembro-me de o ter visto atacar um Onix de um colega meu com uma pistola de água. Mas ainda não contei a história mais engraçada sobre ele! É que, apesar de ser possível capturar o Missingno, ele aparecia numa zona onde também apareciam outros pokemons. E não vinha de mão beijada; era preciso procurá-lo. Então, nós fazíamos claque para ver procurar o Missingno. Geralmente, o que aparecia era um Clefable ou outros pokemons que não deviam aparecer no mar. Então, nós inventávamos técnicas para o fazer aparecer! Técnicas que não funcionavam e tinham pouca lógica. A mais notória era um (ou mais) rapaz que gritava para o recreio: "Missingno, aparece!". E não estou a brincar; eles gritavam, mesmo! E que mais? Bem, também fazíamos apostas. Apostas sobre o pokemon que ia aparecer a seguir! Às vezes apostávamos todos no Missingno, outras vezes nenhum apostava nele! Nenhuma funcionava! Finalmente, na minha lógica de criança, eu sugeri outro método: sugeri que insultássemos o Missingno para ele ficar danado e aparecer para lutar! E não é que a claque aceitou a sugestão?! Pois é: durante um tempo lá ficámos a insultar o pobre pokemon (?) com crises de identidade. Eu, como não queria dizer asneiras, comecei por lhe chamar "estúpido", mas os rebeldes da claque, com os seus verdes 8 ou 9 anos, começaram logo "Aparece, minha filha da p***!"

Pois é; ghettos, gritos, discussões, asneiras, figuras tristes...muitas histórias divertidas nos deixaram os jogos Pokemon. Mesmo em casa, eu costumava fechar o meu Game Boy Color (recebi-o mais tarde) numa gaveta para o pokemon não fugir!

O gigante do escorrega

Um dos mais absurdos e mais repetitivos jogos da minha infância era este do gigante do escorrega. Todo ele girava à volta do escorrega que havia no infantário onde eu andei, que tinha sido desenhado para se assemelhar a um elefante. E era engraçada a ideia de escorregar por uma tromba abaixo. Mas enfim...embora aquele brinquedo fosse bastante simples, nós complicávamo-lo para efeitos lúdicos. Como? Fingindo que ele era o castelo de um gigante!


O nosso escorrega não era igual a este, mas era parecido...


Ora, este gigante ocupava os seus dias com uma actividade absurda: toda a gente que passasse perto do escorrega - aliás, do castelo! - tinha de responder a uma pergunta do gigante! E o que é que o gigante perguntava? Perguntava se lhe sabíamos dizer 4 partes ou objectos do castelo que fossem gigantescos! A lógica (?) daquilo era: como o gigante vivia rodeado de coisas gigantescas (que incluíam um telhado, uma mesa, pratos e muito mais), nós só tínhamos de dizer 4 coisas que fossem gigantescas no castelo do gigante para podermos safar-nos. Sim, safar-nos; porque o gigante ameaçava pôr-nos na prisão do castelo se não lhe soubéssemos responder! Felizmente, não era difícil responder; só tínhamos de nos lembrar de tudo o que tínhamos na nossa casa e dizer que o gigante também as tinha, só que em tamanho sénior! Como se isto já não fosse hilariante que chegue, mais o era ainda o final da brincadeira!


Eu sou a esfinge, perdão, gigante que propõe 
um enigma a estrangeiros e os castiga!


Quando o viajante, digamos assim, dizia então as 4 coisas que o gigante exigia, o gigante ficava satisfeito e saía-se com esta: "Então, se é assim, tu não vais para a prisão. Vou eu!". E escorregava suavemente para a prisão, onde ficava! Que idiossincrasia tão gira! E quão absurdo aquilo era! Quer dizer, um cruel gigante que ameaçava viajantes inocentes, no caso de eles responderem bem, resolvia colocar-se na sua própria prisão, como se fosse obrigado a isso por causa de uma resposta bem dada? Haverá algum vilão mais tolo que este?! E nos revezámo-nos para fazer o papel deste "gigantolo". Havia quem jogasse a pares e cada um fazia um papel de cada vez.

Sobre esta brincadeira, há que sublinhar ainda como é incrível nós termos quase previsto uma parte da história do Rei Édipo, sendo que nenhum de nós tinha alguma vez ouvido falar de Édipo!

O que todos deviam ler antes de ler este blog

Esta mensagem, espero, estará em breve resumida no meu perfil, mas de qualquer modo...

Desde já dou-vos as boas-vindas a este blog! É um projecto modesto vindo, entre outras coisas, do meu gosto em recordar e contar histórias sobre as brincadeiras que eu fazia e via fazer quando era criança. Ah, e também pretendo explorar um pouco os sonhos de criança (eu tinha com cada sonho maluco...é uma diversão lembrar!) Eu rio-me muito e faço rir bastante quando conto estas histórias. E o meu desejo de as contar a mais pessoas levou-me a fazer este blog. Espero que apreciem.

Estranharam o título do blog? A ver se eu me explico...tenho uma ligação ao mundo do teatro que me permite dizer que o Teatro do Absurdo é uma realidade. Ou seja...muito rapidamente, "Teatro do Absurdo" é o nome dado a todo um conjunto de textos teatrais escritos principalmente no século XX. Suponho que já têm uma ideia sobre o que caracteriza este tipo de teatro: situações absurdas - pois então! - e completamente imprevisíveis, acontecimentos de uma lógica incompreensível aos nossos olhos! Também não quer dizer que vale tudo; até à data, não li nenhuma peça do Teatro do Absurdo em que aparecesse um monstro gigante em cena de um momento para o outro. Nem que as personagens sejam formigas a dançar o samba enquanto fazem crochet com os pés. Não; as peças são mais sóbrias que isso. Mas algumas delas não deixam de ser uma risota! Parto-me a rir quando leio algumas! Estão interessados? Então procurem peças de autores como Eugène Ionesco (o meu favorito!), Samuel Beckett, Arthur Adamov e Jean Genet. Se tiverem mais sede mas o pote estiver vazio, podem experimentar outros que não são os melhores exemplos no que toca ao Teatro do Absurdo mas que ainda têm ligações com este (Fernando Arrabal, Harold Pinter...)

Portanto, o que vou contar são aqui algumas das minhas experiências - e dos meus amigos de infância - nas brincadeiras divertidas e de uma lógica difìcil de compreender agora que crescemos. Escusado será dizer que este blog vai ter pouco de útil para quem quer que seja. Que fique bem claro que a minha intenção é divertir os leitores e divertir-me. Espero sinceramente que os leitores deste blog estejam receptivos a estas histórias de infância para trazer momentos divertidos à sua vida. Não estou aqui para estragar a vida a ninguém. Claro que, se o blog puder valer-vos em algo que não seja só a diversão, melhor ainda! Mas, até ver, o principal objectivo dos posts deste blog é divertir. Mais uma vez, espero que gostem.

Queria ainda agradecer à minha professora Marlene Peres, que me ajudou muito a fazer este blog.

Um bom dia para todos!